Será possível inserir alguém entre a
nossa relação com Cristo? Podemos ter algum outro modelo de vida? O
homem pode alcançar a santidade? Ele não será sempre santo e pecador? Os
mortos não estão “dormindo” até o dia da ressurreição final? Afinal das
contas: Se Jesus é o único mediador, por que recorrer à intercessão dos santos?
Essa
é uma questão belíssima, que leva muita gente a pensar na vida eterna. Podemos
nos aproximar lembrando uma imagem da Divina
Comédia de Dante Alighieri: o Céu é um reino de luz no qual os santos estão
como espelhos, refletindo em si e nos outros a imagem do único Deus, sumamente
Santo. Certamente a luz de Deus é infinita, impossível de ser aumentada, pois
Deus é o ser perfeitíssimo, mas cada santo reflete a seu modo a luz infinita de
Deus. Quanto mais pessoas houver no Céu, a divina luz será refletida com maior
intensidade. No Céu, cada um é extremamente feliz e essa felicidade se une à
dos outros.
Os
santos estão no Céu cantando louvores a Deus e ao Cordeiro. E quanto mais uma
pessoa está unida a Deus, amor infinito, mais estará unido aos outros homens. No
Céu os santos intercedem pelos que ainda caminham nesse mundo, e isso é uma
consequência do conhecimento e do amor que vem de Deus.
Desse
modo, os santos são como um reflexo da luz divina; um reflexo imperfeito de
Deus no nosso mundo e pleno no Céu. Os santos não são fontes de luzes por si
mesmas, mas refletem a única luz de Cristo. São Paulo diz que em Jesus habita
corporalmente a plenitude da divindade. Mas é difícil imitar todos os aspectos
da sua vida. Por isso, podemos contemplar nos santos aspectos da vida de
Cristo. Os santos são um raio luminoso do mistério infinito de Cristo no nosso
mundo.
Chesterton
dizia que cada santo tem o mérito de lembrar à sua época alguma virtude de
Cristo que estava esquecida no seu momento histórico. E cada época é convertida
pelo santo que mais a contradiz. Sendo assim, num momento que o luxo começava a
reinar na Europa, São Francisco de Assis veio nos mostrar a beleza do
desprendimento, assim como Cristo o vivia; em uma época violenta como o século
XX (época dos grandes sistemas totalitários, dos grandes genocídios), os santos
nos fizeram lembrar a misericórdia de Deus (Santa Faustina, Madre Teresa de
Calcutá, Beato João Paulo II e muitos outros). Os santos são em cada época uma
recordação única do mistério de Cristo.
Agora
temos que considerar algumas objeções.
- Será possível inserir alguém entre a nossa relação com Cristo? Podemos ter algum outro modelo de vida? Não será verdade que só Cristo (solus Christus) salva? Imitar algum outro personagem histórico não seria uma influencia pagã, uma espécie de idolatria?
Para
responder a essas objeções, evidentemente, temos que recorrer à Bíblia, formada
pela Igreja e fonte da sua doutrina.
1 Cor
4,16: “Rogo-vos pois, sede meus imitadores”; 1 Cor 11,1: “Sede meus imitadores
como eu o sou de Cristo”; 1 Tes. 1,6: “De vossa parte, vos fizestes imitadores
nossos e do Senhor, abraçando a palavra com a alegria do Espírito Santo, em
meio a muitas tribulações”; Heb. 6, 11,12 “Desejamos, pois, que cada um de vós
manifeste até o fim a mesma diligência para a plena realização da esperança, de
forma que não sejais indolentes, mas imitadores daqueles que, mediante a fé e a
perseverança, herdam as promessas”; Fil. 3,17: “Irmãos, sede meus imitadores, e
prestai atenção nos que vivem segundo o modelo que têm em nós”. Esses textos
nos mostram que podemos imitar outras pessoas além de Jesus Cristo; o critério
é imitar os que por sua vez foram imitadores de Cristo.
- O homem pode alcançar a santidade? Ele não será sempre santo e pecador (iustus et pecattor)? Não seria uma presunção chamarmos alguém de santo?
A
Bíblia não só diz que é possível se tornar santo, mas que essa é a vocação
universal de todo homem. Já no Antigo Testamento Deus exorta: “Sede santos
porque Eu sou santo” (Lev 11,44); e no Novo Testamento há várias afirmações
desse tipo: “Procurai a santidade, sem a qual ninguém pode ver o Senhor”(Hb.
12,14); “A exemplo da santidade daquele que vos chamou sede também vós santos
em todas as vossas ações” (1 Pe. 1,15); “Bendito seja Deus ... que nos escolheu
em Cristo antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis
diante de seus olhos” (Ef. 1,4); “Vivei uma vida digna da vocação para a qual
fostes chamados” (Ef. 4,1); “Quanto à fornicação, à impureza, sob qualquer
forma, ou à avareza, que delas nem sequer se fale entre vós, como convém a
santos” (Ef 5,3); “Está é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1 Tes.
4,3); Deus
poderia exigir do homem algo impossível de se alcançar? A santidade é possível
porque antes de tudo ela é um dom de Deus e Ele só nos pede o que Ele mesmo nos
concede.
- Os mortos não estão “dormindo” até o dia da ressurreição final? Enquanto essa não chega o que conta é a fé pessoal, e não a oração dos mortos.
Nos
Evangelhos vemos a cena da transfiguração do Senhor, a qual narra o encontro de
Jesus Cristo com Moisés e Elias, dois personagens mortos há séculos. Eles aparecem
conversando com o Senhor (aparecem rezando). E em outro texto lemos que Deus é
o juíz dos vivos e não dos mortos.
“No
mesmo dia chegaram junto dele os saduceus, que dizem não haver ressurreição, e
o interrogaram, Dizendo: Mestre, Moisés disse: Se morrer alguém, não tendo
filhos, casará o seu irmão com a mulher dele, e suscitará descendência a seu
irmão. (...) Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus. Porque
na ressurreição nem casam nem são dados em casamento; mas serão como os anjos
de Deus no céu. E, acerca da ressurreição dos mortos, não tendes lido o que Deus
vos declarou, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de
Jacó? Ora, Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos” (Mat 22:23-32).
Nesse
texto Ele diz claramente que Abraão, Isaque, Jacó estão vivos, junto de Deus.
Isso mostra que não há sono eterno até o juízo final, mas os amigos de Deus
voltam para ele, depois da morte. E que os santos rezam por nós está afirmado
no livro do Apocalipse:
“Quando,
enfim, abriu o sétimo selo, fez-se silêncio no céu cerca de meia hora. Eu vi os
sete Anjos que assistem diante de Deus. Foram-lhes dadas sete trombetas.
Adiantou-se outro anjo e pôs-se junto ao altar, com um turíbulo de ouro na mão.
Foram-lhe dados muitos perfumes, para que os oferecesse com as orações de todos
os santos no altar de ouro, que está adiante do trono. A fumaça dos perfumes
subiu da mão do anjo com as orações dos santos, diante de Deus.” (Ap 8,1-4);
Portanto,
os santos estão vivos, intercedendo diante de Deus pelos seguidores de Cristo.
Dentre os santos há um lugar especial à Virgem Maria. Essa é venerada pelos
cristãos desde sempre. De fato, se Jesus Cristo nos disse que devemos amar
inclusive os nossos inimigos, como não amar “a mãe do meu Senhor” e todos os
que o serviram com fidelidade?
A
veneração aos santos nada tem a ver com a idolatria, que é um pecado grave
contra a fé e consiste em colocar algo ou alguém no lugar de Deus. É certo que
alguns grupos querem convencer os católicos de que conhecem o que os católicos adoram
melhor mesmo do que os próprios católicos. Mas isso é uma pretensão absurda. O
culto cristão de adoração é devido somente ao Deus Uno e Trino. No principal
ato de culto católico, a Missa, todas as orações são dirigidas ao Pai, por meio
de Senhor Jesus Cristo, na unidade do Espírito Santo. Não há nenhuma dirigida
aos santos. Os cristãos podem pessoalmente pedir aos santos que rezem a Jesus
Cristo conosco, mas a Missa é um ato de culto exclusivo ao Deus Uno e Trino.
Portanto,
não há o que temer. Podemos olhar com gratidão as Sagradas Escrituras e aos
santos como os grandes imitadores de Cristo, reflexos da santidade divina.
Esses estão diante de Deus vivos e transbordam nos demais o amor que
incessantemente recebem de Deus.
Pe.
Anderson Alves.
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